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Chapter 36 - Lições na Floresta e o Guardião.

O amanhecer ainda era apenas uma promessa no horizonte quando abri os olhos. Por um momento, fiquei deitado, observando o teto do meu quarto enquanto a consciência retornava completamente. Então me lembrei: a caçada com meu pai. Um misto de excitação e nervosismo me fez sentar na cama de um salto.

Vesti-me rapidamente com roupas adequadas para a floresta – calças resistentes, botas de couro macio para caminhar silenciosamente, uma camisa de mangas compridas para proteger dos galhos e uma jaqueta leve. Enquanto me preparava, meus pensamentos oscilavam entre a expectativa da aventura e a preocupação de não corresponder às expectativas de meu pai.

Desci as escadas silenciosamente, mas encontrei minha mãe já acordada na cozinha, preparando algo.

— Bom dia, pequeno madrugador — disse ela com um sorriso suave. — Seu pai ainda está se preparando. Coma algo antes de sair.

Ela me serviu um pão quente com manteiga e uma caneca de leite morno com mel. Enquanto eu comia, Vivian apareceu, ainda sonolenta, arrastando uma boneca de pano.

— Eli vai caçar? — perguntou ela, esfregando os olhos.

— Vou sim, Vivi — respondi, tentando soar confiante. — Vou trazer algo especial para você.

— Um coelho? — seus olhos se arregalaram.

— Não para comer — esclareci rapidamente, vendo sua expressão. — Talvez uma pena bonita ou uma pedra interessante.

Ela pareceu satisfeita com isso e se sentou para tomar seu próprio café da manhã. Logo meu pai apareceu, vestido para a caçada, com um ar de antecipação que raramente demonstrava.

— Pronto, filho? — perguntou ele, colocando a mão em meu ombro.

Assenti, engolindo o último pedaço de pão. Minha mãe nos entregou uma pequena bolsa com provisões e nos deu um beijo de despedida. Vivian acenou animadamente enquanto saíamos.

No pátio, dois cavalos já estavam selados – o grande alazão de meu pai e um pônei castanho mais adequado ao meu tamanho. Amarrados à sela de meu pai estavam dois arcos – um grande e outro menor – junto com uma aljava de flechas. Notei também que ele carregava sua espada na cintura e um canivete de caça em uma bainha de couro.

— Trouxe um arco para você também — disse ele, ajudando-me a montar. — Mas não precisamos usá-lo se você preferir praticar suas artes arcanas. Desde que seja… controlado.

Havia um tom de cautela em sua voz que entendi perfeitamente. Meu controle sobre o Fogo ainda era instável às vezes, e uma floresta seca não era o lugar ideal para experimentos.

Cavalgamos em silêncio enquanto o sol começava a despontar, tingindo o céu de tons alaranjados e rosados. A mansão ficou para trás, e logo estávamos seguindo uma trilha estreita que se embrenhava na floresta densa que cobria grande parte do feudo Freimann.

— Esta floresta é antiga — comentou meu pai quando paramos em uma pequena clareira. — Alguns destes carvalhos já estavam aqui quando meu avô era criança. Conhecer estas terras, Elian, é tão importante quanto conhecer as pessoas que vivem nelas.

Ele desmontou e amarrou seu cavalo a um tronco baixo. Fiz o mesmo com meu pônei.

— Existem bestas nas florestas de Malkut? — perguntei, lembrando-me de histórias que ouvira dos servos.

Meu pai assentiu, seu rosto ficando mais sério.

— Sim, existem. Algumas são apenas animais maiores e mais perigosos que o normal. Outras… — ele fez uma pausa, olhando para as profundezas da floresta — …são criaturas tocadas pela energia arcana selvagem, transformadas ao longo de gerações. Mas não se preocupe. Esta parte da floresta é segura, patrulhada regularmente. As bestas verdadeiras preferem as áreas mais profundas e selvagens, longe das trilhas e assentamentos.

Essa informação me deixou ao mesmo tempo aliviado e intrigado. Parte de mim queria saber mais sobre essas criaturas, mas outra parte estava perfeitamente satisfeita em não encontrá-las durante nossa caçada.

Meu pai se agachou, indicando que eu fizesse o mesmo.

— Olhe — disse ele, apontando para o chão. — O que você vê?

Examinei a terra úmida. Havia pequenas depressões na lama, algumas folhas amassadas.

— Pegadas? — arrisquei.

— Sim. De um cervo, provavelmente um macho jovem. — Ele traçou o contorno com o dedo. — Vê como a parte de trás é mais profunda? Ele estava correndo. E não faz muito tempo, a terra ainda está úmida onde ele pisou.

Observei com fascínio. Nunca tinha prestado atenção a esses detalhes antes.

— Agora — continuou ele, levantando-se —, quero que você tente algo. Feche os olhos. Sinta a terra sob seus pés. Não como nos treinos com Margareth, não para manipulá-la, mas para ouvi-la.

Fechei os olhos, tentando me concentrar. A princípio, senti apenas a solidez do chão, a umidade penetrando minhas botas.

— Não force — orientou meu pai, sua voz calma. — A Terra não é como o Fogo, que responde à paixão. Ela responde à paciência, à constância. Apenas… esteja presente.

Respirei fundo, tentando uma abordagem diferente. Em vez de projetar minha vontade para a terra, tentei me abrir a ela, como se fosse uma conversa, não um comando. Lentamente, comecei a sentir… algo. Vibrações sutis, como se a própria terra respirasse. E então, mais distante, um ritmo diferente. Batidas leves, rítmicas.

— Há algo… — murmurei, ainda de olhos fechados. — Algo se movendo. Por ali. — Apontei para o leste.

Quando abri os olhos, meu pai sorria.

— Muito bom. Provavelmente nosso cervo. Ou talvez um javali. Vamos verificar?

Seguimos na direção que indiquei, meu pai me ensinando a caminhar silenciosamente, pisando nas partes mais firmes do solo, evitando galhos secos. De vez em quando, ele parava e me mostrava outros sinais: casca de árvore arranhada, pequenos tufos de pelo presos em arbustos, frutos mordidos.

— O Ar também pode ajudá-lo — disse ele em determinado momento, falando tão baixo que tive que me inclinar para ouvir. — Sinta a direção do vento. Os animais têm olfato aguçado. Se o vento levar nosso cheiro até eles, desaparecerão antes que possamos vê-los.

Tentei sentir o ar ao meu redor, não apenas como uma brisa em minha pele, mas como correntes de energia que fluíam pela floresta. Era mais difícil que a Terra, mais fugaz. Mas consegui perceber uma leve corrente vindo do norte.

— Precisamos contornar — sussurrei. — O vento está vindo daquela direção.

Meu pai assentiu, aprovando, e mudamos nossa rota para abordar nossa presa pelo lado oposto.

Após quase uma hora de rastreamento cuidadoso, meu pai fez sinal para que eu parasse. Agachados atrás de um grande arbusto, vimos nosso alvo: não um cervo, mas três javalis jovens, fuçando o solo em busca de raízes e tubérculos.

Meu pai silenciosamente retirou o arco maior de suas costas e preparou uma flecha. Então, para minha surpresa, ofereceu-me o arco menor.

Hesitei. O arco era uma arma elegante, mas eu tinha outra ideia.

— Posso tentar com minhas artes arcanas? — perguntei em um sussurro quase inaudível.

Meu pai me estudou por um momento, então assentiu cautelosamente.

Qual delas?

— Terra, primeiro — respondi. — E talvez… Arcus Ignis depois, se precisar. Prometo controlar.

Ele pareceu avaliar os riscos, então concordou.

Muito bem. Mas cuidado com o fogo. A floresta está seca nesta parte.

Concentrei-me, sentindo a terra sob os javalis. Diferente do treinamento com Margareth, onde eu tentava forçar a terra a obedecer, agora eu a sentia como uma extensão de mim mesmo. Visualizei o que queria: lanças de pedra, emergindo do solo. Não grandes o suficiente para causar destruição desnecessária, apenas o suficiente para abater um dos animais.

Murmurei as palavras do selo, traçando os símbolos com os dedos, e senti a energia fluir. A terra tremeu levemente, e então, três estacas afiadas de pedra emergiram do solo, atingindo um dos javalis. O animal caiu com um guincho curto, enquanto os outros dois dispararam em fuga.

Meu pai já estava de pé, o arco tensionado, mirando um dos javalis em fuga. Mas antes que ele pudesse soltar a flecha, eu me concentrei novamente. Desta vez, senti o calor familiar do Fogo respondendo ao meu chamado. Formei o *Arcus Ignis* – não o grande arco flamejante que eu usava nos treinos, mas uma versão menor, mais controlada. A flecha de fogo que disparei era fina e precisa, atingindo o segundo javali na lateral sem causar nenhum incêndio na vegetação ao redor.

O terceiro javali desapareceu na floresta antes que pudéssemos fazer qualquer coisa.

Houve um momento de silêncio, então meu pai baixou seu arco, olhando para mim com uma expressão que misturava surpresa e… orgulho?

— Isso foi… impressionante, Elian — disse ele, aproximando-se do primeiro javali para verificar se estava realmente morto. — Especialmente o controle que você demonstrou com o Arcus Ignis. Margareth ficaria surpresa.

Senti um calor que não tinha nada a ver com o Fogo se espalhar pelo meu peito. O elogio de meu pai significava mais do que qualquer aprovação de Margareth.

— A Terra respondeu diferente hoje — expliquei enquanto nos aproximávamos do segundo javali. — Não tentei dominá-la. Apenas… conversei com ela.

Meu pai sorriu, um sorriso genuíno que raramente mostrava.

— É exatamente isso, filho. As artes arcanas não são apenas sobre poder. São sobre compreensão, harmonia. Muitos Arcanistas esquecem isso, buscando apenas força bruta. — Ele colocou a mão em meu ombro. — Você tem um dom natural para sentir a essência dos elementos, não apenas manipulá-los.

Passamos a hora seguinte preparando nossa caça. Meu pai me ensinou a evisceração básica no local, explicando quais partes deveríamos levar e quais deixar para os animais da floresta. Nada seria desperdiçado.

— A caça não é sobre violência ou esporte — explicou ele enquanto trabalhávamos. — É sobre sustento, equilíbrio. Tomamos apenas o que precisamos, respeitamos o que a floresta nos dá.

Quando terminamos, lavamos as mãos em um riacho próximo e nos sentamos para descansar e comer um pouco das provisões que minha mãe havia preparado. O sol já estava alto no céu, filtrando-se através das copas das árvores em feixes dourados.

— Sabe, Elian — disse meu pai após um longo silêncio confortável —, quando eu tinha sua idade, meu pai me trouxe aqui, quase neste mesmo local. — Ele olhou ao redor, como se visse fantasmas de memórias. — Ele me ensinou o que estou ensinando a você agora. Não apenas sobre caça, mas sobre responsabilidade. Sobre entender que o poder, seja de uma espada ou de uma arte arcana, vem com o dever de usá-lo sabiamente.

Assenti, compreendendo a profundidade do que ele dizia.

— É diferente do treinamento com Mestra Margareth — comentei. — Ela sempre fala sobre dominar, controlar, superar limites.

— Margareth teve… uma vida diferente — respondeu meu pai cuidadosamente. — Ela aprendeu a sobreviver em um mundo que não perdoa fraqueza. Suas lições são valiosas, não se engane. Mas há mais de uma forma de ser forte, Elian. — Ele fez uma pausa, olhando diretamente para mim. — O que você fez hoje, adaptando suas artes para a situação, sentindo a Terra em vez de forçá-la… isso também é força. Uma força que vem da sabedoria, não apenas do poder.

Ficamos ali por mais algum tempo, conversando sobre coisas simples – histórias de caçadas passadas, lendas da floresta, planos para o futuro. Era raro ter meu pai assim, relaxado e aberto, sem as preocupações do baronato pesando sobre seus ombros.

Quando começamos a preparar nossa volta, encontrei uma pena azul brilhante, provavelmente de um gaio, caída perto do riacho.

— Para Vivian — expliquei, guardando-a cuidadosamente.

Meu pai sorriu. — Ela vai adorar.

Carregamos nossa caça nos cavalos e iniciamos a jornada de volta. A floresta parecia diferente agora, menos misteriosa, mais acolhedora. Eu a sentia de uma forma nova, como se tivesse estabelecido uma conexão que não existia antes.

O sol começava a descer no horizonte quando chegamos a uma parte da trilha que se estreitava entre dois afloramentos rochosos. Era um ponto onde a floresta ficava mais densa, com árvores antigas e retorcidas criando um dossel quase impenetrável acima de nós. A luz diminuía, criando sombras profundas entre os troncos.

Foi então que notei algo estranho. Um silêncio repentino e absoluto havia caído sobre a floresta. Nem um pássaro, nem um inseto, nem mesmo o farfalhar das folhas ao vento.

Meu pai também percebeu. Vi sua postura mudar sutilmente, ficando mais alerta. Sua mão direita moveu-se para o cabo de sua espada.

— Elian — disse ele, sua voz calma, mas com uma tensão subjacente que nunca havia ouvido antes. — Fique perto de mim.

Obedeci imediatamente, guiando meu pônei para mais perto de seu cavalo. Meu coração acelerou, e senti um formigamento na nuca, como se estivéssemos sendo observados.

Foi quando ouvimos. Um rosnado baixo e gutural, vindo de algum lugar à nossa frente. Não era o som de nenhum animal que eu conhecia – era mais profundo, mais ameaçador, quase… consciente.

— Pai? — sussurrei, minha voz traindo meu medo.

— Fique calmo — respondeu ele, desmontando com um movimento fluido. — Desça do cavalo, lentamente.

Fiz como ele ordenou, minhas pernas tremendo ligeiramente. Meu pai desembainhou sua espada – uma lâmina longa e elegante que raramente vi for a de sua bainha cerimonial. A luz do entardecer refletiu no metal polido, revelando runas sutis gravadas ao longo da lâmina.

Foi então que a criatura emergiu das sombras.

Meu sangue gelou. Era enorme, pelo menos dois metros de altura, andando ereto sobre duas pernas poderosas. Seu corpo era coberto por um pelo denso, preto como carvão, com manchas vermelho-sangue espalhadas como feridas abertas. No centro de seu peito, uma protuberância esférica pulsava com um brilho vermelho, como se um coração estivesse exposto. Suas mãos – se é que podiam ser chamadas assim – eram garras enormes, cada dedo terminando em uma unha curva e afiada como uma adaga.

Mas foi seu rosto que me paralisou de terror. Um focinho alongado, cheio de dentes afiados e irregulares, alguns tão longos que ultrapassavam os lábios. Orelhas grandes e pontudas se moviam independentemente, captando cada som. E os chifres – três deles – dois curvados para baixo saindo das têmporas, e um terceiro, maior e mais afiado, projetando-se para cima a partir da testa.

Pelos deuses — murmurei, incapaz de conter minha voz.

— Um Vermiscarro — disse meu pai, sua voz estranhamente calma. — Um Guardião da Floresta. Não deveria estar tão perto das trilhas. Algo deve tê-lo perturbado.

A criatura – o Vermiscarro – inclinou a cabeça, como se estivesse nos estudando. Então, sem aviso, soltou um rugido ensurdecedor e avançou.

— Elian, para trás! — gritou meu pai, empurrando-me para longe da trilha.

Tropecei e caí, assistindo horrorizado enquanto a criatura investia contra meu pai. Mas Lucius Freimann não era apenas um nobre ou um pai – ele era um guerreiro treinado, um Espadachim Arcano.

Com uma velocidade que eu nunca havia testemunhado antes, meu pai desviou do primeiro ataque, a lâmina de sua espada traçando um arco prateado no ar. A criatura rugiu de dor quando o metal cortou seu braço, mas o ferimento pareceu apenas enfurecê-la mais.

— Corporalis Elevatio! — entoou meu pai, sua voz ressoando com poder arcano.

Uma aura azul-prateada envolveu seu corpo, e de repente, seus movimentos mudaram. Tornaram-se mais rápidos, mais fluidos, quase sobrenaturais. Ele saltou para o lado de um golpe que teria decapitado um homem comum, girando no ar como se a gravidade fosse apenas uma sugestão.

Percebi que estava testemunhando algo que nunca havia visto antes – meu pai usando uma arte arcana que mantivera oculta, mesmo de mim. O Corporalis Elevatio transformava seu corpo, canalizando energia arcana diretamente em seus músculos e articulações, elevando suas capacidades físicas a níveis sobre-humanos.

A criatura atacou novamente, suas garras rasgando o ar onde meu pai estivera apenas um instante antes. Lucius contra-atacou, sua espada encontrando carne e músculo, mas o Vermiscarro parecia absorver os golpes como se fossem meros inconvenientes.

— Elian! — gritou meu pai entre ataques. — Preciso que você use seu fogo! Mire na esfera vermelha no peito!

Saí do meu estupor, compreendendo que não podia apenas assistir. Meu pai estava lutando por nossas vidas. Concentrei-me, tentando invocar o Arcus Ignis novamente, mas meu medo tornava difícil controlar a energia.

A primeira flecha de fogo que disparei errou por completo, atingindo uma árvore próxima. A segunda raspou o ombro da criatura, fazendo-a rugir de raiva, mas não causou dano significativo.

— Não está funcionando! — gritei, o desespero crescendo em minha voz.

Meu pai desviou de outro ataque, mas desta vez não foi rápido o suficiente. As garras do Vermiscarro rasgaram sua jaqueta, e vi sangue manchar o tecido. Ele cambaleou, momentaneamente desequilibrado.

O Guardião, sentindo vantagem, preparou-se para um golpe final.

Foi naquele momento que algo despertou dentro de mim. Uma combinação de medo, raiva e determinação que se fundiu em uma clareza cristalina. Lembrei-me da técnica que havia desenvolvido, a que havia mostrado na Apresentação Quinquenal. A Fulmínea da Ira Ígnea.

Não era apenas fogo. Era fogo, terra e ar combinados – minha tripla afinidade canalizada em uma única e devastadora arte arcana.

Fechei os olhos por um segundo, sentindo os três elementos responderem ao meu chamado. O calor do fogo, a solidez da terra, a liberdade do ar. Não tentei dominá-los, mas sim convidá-los, como meu pai havia me ensinado naquele mesmo dia.

— Fulmínea da Ira Ígnea! — gritei, traçando os selos complexos com as mãos.

Senti a energia fluir através de mim, descendo pelos meus braços, pelos meus dedos, e então para o solo sob meus pés. A terra tremeu. Um brilho azul intenso começou a se formar no chão, traçando linhas luminosas que serpenteavam pelo solo em direção ao Vermiscarro.

Meu pai, reconhecendo o que estava prestes a acontecer, saltou para trás com um movimento potencializado pelo Corporalis Elevatio.

De repente, o solo sob o Guardião rachou, e um raio azul cintilante irrompeu da terra, envolvendo a criatura em uma tempestade de energia elétrica. Não era um raio comum – era uma manifestação da fusão perfeita entre o calor do Fogo, a condutividade da Terra e a volatilidade do Ar. A Fulmínea da Ira Ígnea em sua forma mais pura.

O Vermiscarro uivou, seu corpo contorcendo-se enquanto a energia azul o envolvia, concentrando-se particularmente na esfera vermelha em seu peito. A protuberância começou a rachar, fissuras de luz azul espalhando-se como teias de aranha pela superfície vermelha.

Meu pai, vendo a oportunidade, reuniu suas últimas forças. Com um grito de esforço, ele saltou, impulsionado pelo Corporalis Elevatio, e cravou sua espada profundamente no peito da criatura, exatamente onde as fissuras haviam enfraquecido a esfera vermelha.

Houve um momento de silêncio absoluto. Então, a criatura desabou, seu corpo enorme atingindo o chão da floresta com um baque surdo. A luz em seu peito piscou uma última vez e se apagou.

Senti minhas pernas cederem. A energia que havia canalizado para a Fulmínea da Ira Ígnea era muito maior do que qualquer coisa que eu havia usado antes, mesmo durante a Apresentação Quinquenal. Minha visão escureceu nas bordas, e caí de joelhos, respirando com dificuldade.

— Elian! — ouvi meu pai chamar, sua voz parecendo distante apesar de ele estar correndo em minha direção.

Ele chegou a tempo de me segurar antes que eu desabasse completamente. Senti seus braços me apoiando, guiando-me gentilmente para sentar encostado em uma árvore.

— Respire devagar — instruiu ele, sua voz firme mas gentil. — Você usou muita energia vital de uma vez. Isso foi… impressionante, mas perigoso.

Tentei falar, mas minha garganta estava seca demais. Meu pai rapidamente pegou um cantil de água e me ajudou a beber alguns goles.

— Eu… consegui — murmurei finalmente, minha voz fraca.

Meu pai assentiu, um misto de orgulho e preocupação em seu rosto.

—Sim, conseguiu. Aquela foi a Fulmínea da Ira Ígnea que você mostrou na apresentação, não foi? — Ele olhou para o Vermiscarro caído, então de volta para mim. — Mas nunca imaginei que seria tão poderosa em combate real. O raio surgindo da terra… foi extraordinário.

— Você… já tinha visto — consegui dizer, ainda lutando para recuperar o fôlego.

— Na cerimônia, sim. Mas uma coisa é ver uma demonstração controlada, outra completamente diferente é testemunhar seu poder verdadeiro em uma situação de vida ou morte. — Ele sorriu levemente, apertando meu ombro. — Você salvou nossas vidas, filho.

Ficamos ali por alguns minutos, eu recuperando minhas forças, meu pai verificando o corte em seu braço, que felizmente não era tão profundo quanto parecia inicialmente.

— Aquele feitiço que você usou… — comecei, minha voz um pouco mais firme agora. — Corporalis Elevatio. Nunca o vi usar antes.

Meu pai sorriu cansado. — É uma arte arcana de Espadachim. Não é algo que eu use casualmente. Canaliza energia diretamente nos músculos e articulações, permitindo movimentos além dos limites humanos normais. — Ele fez uma pausa. — É… exaustivo. E perigoso, se usado em excesso.

Quando finalmente me senti forte o suficiente para ficar de pé, meu pai me ajudou a levantar. Minhas pernas ainda estavam trêmulas, e senti uma exaustão profunda que parecia alcançar meus ossos.

— Vai passar — garantiu meu pai, notando meu estado. — Mas você precisa descansar adequadamente quando voltarmos. Usar tanta energia vital de uma vez… — Ele balançou a cabeça. — Margareth vai precisar te ensinar a dosar melhor.

Caminhamos lentamente de volta para os cavalos, que milagrosamente não haviam fugido, embora estivessem visivelmente agitados. Meu pai teve que me ajudar a montar, pois minhas forças ainda não haviam retornado completamente.

— Precisamos informar os guardas florestais sobre o Vermiscarro — disse meu pai enquanto cavalgávamos lentamente. — E talvez enviar uma mensagem para a capital. Se essas criaturas estão se movendo para áreas habitadas, pode ser sinal de um problema maior.

Assenti, ainda sentindo o eco da energia arcana em minhas veias. A Fulmínea da Ira Ígnea havia drenado muito de mim, mas também havia me mostrado algo importante – que eu era capaz de mais do que imaginava, especialmente quando aqueles que eu amava estavam em perigo.

Quando a mansão começou a aparecer à distância, vi minha mãe e Vivian esperando. Minha irmã pulava de excitação ao ver os javalis amarrados aos cavalos, e minha mãe tinha um olhar de alívio ao nos ver retornar.

Mas seu sorriso desapareceu quando notou o sangue na roupa de meu pai e meu estado de exaustão.

— O que aconteceu? — perguntou ela, correndo ao nosso encontro.

Meu pai desmontou cuidadosamente, abraçando-a com seu braço bom.

— Uma história para contar dentro de casa — disse ele, lançando um olhar significativo para Vivian, que observava com olhos arregalados. — Mas estamos bem. Graças ao seu filho.

Meu pai teve que me ajudar a desmontar, minhas pernas ainda fracas demais para suportar meu peso sozinhas. Antes que Vivian pudesse ficar muito preocupada, tirei a pena azul do bolso e a entreguei a ela, que a recebeu com um grito de alegria, momentaneamente distraída do drama dos adultos.

Naquela noite, após Vivian ter sido colocada na cama, sentei-me com meus pais na biblioteca. Meu pai, com o braço já tratado e enfaixado por minha mãe, contou o encontro com o Vermiscarro. Sua voz era calma, mas eu podia ver a preocupação em seus olhos.

— Você acha que há mais deles? — perguntou minha mãe, sua mão apertando a dele.

— Não sei — respondeu meu pai honestamente. — Mas vou aumentar as patrulhas e enviar mensagens para os outros feudos. Se o equilíbrio da floresta está sendo perturbado, precisamos descobrir por quê.

Minha mãe se virou para mim, seus olhos examinando meu rosto pálido.

— E você, meu filho? Como se sente?

— Cansado — admiti. — Mas estou bem. Só preciso descansar.

— A Fulmínea da Ira Ígnea exigiu muito dele — explicou meu pai. — Nunca vi nada parecido, Maria. O raio azul surgindo do chão, canalizando os três elementos… — Ele balançou a cabeça, ainda impressionado. — Nosso filho tem um dom extraordinário.

Minha mãe sorriu, acariciando meu rosto.

— Isso não me surpreende. Mas você precisa ser mais cuidadoso, Elian. Sua força vital não é infinita.

Mais tarde, sozinho em meu quarto, refleti sobre o dia. Havia começado como uma simples lição de caça e se transformado em algo muito mais significativo. Eu havia aprendido sobre a Terra e o Ar de uma forma que nenhum treinamento formal poderia ensinar. Havia visto meu pai usar uma arte arcana que nunca havia revelado antes. E eu mesmo havia canalizado a Fulmínea da Ira Ígnea em um momento de necessidade real, não apenas como uma demonstração.

Mas acima de tudo, havia aprendido que o verdadeiro poder não vinha apenas da força bruta ou do controle rígido, mas da compreensão, da adaptação e da conexão – com os elementos, com a natureza e com aqueles que amamos.

Adormeci quase instantaneamente, a exaustão finalmente me vencendo. A imagem do Vermiscarro ainda estava vívida em minha mente, mas não mais como uma figura de terror. Em vez disso, como um lembrete do mundo vasto e misterioso além dos muros seguros de nossa mansão – um mundo que um dia eu teria que enfrentar, com todas as suas maravilhas e perigos.

E quando esse dia chegasse, eu estaria pronto.

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