Cherreads

Chapter 2 - Capítulo 2

Ren se vestiu e finalmente se deitou confortavelmente. Relaxado como alguém que nem mesmo sabia que estava sendo observado nu.

Ele afundou na cama — que mais parecia uma tábua coberta por um lençol.

Olhou para o teto, desviando o olhar da incômoda mancha de infiltração. A maldita mancha parecia sorrir para ele.

O dia foi até produtivo: Chegou da viagem, arrumou suas coisas, conheceu a vizinhança com todos os seus mercadinhos, lojas, paradas de ônibus e até uma pequena cafeteria.

— Então aqui vai começar a minha vida tranquila, certo?

A luz do sol se pondo entrava pela janela causando uma sensação estranha no jovem Ren.

— Finalmente livre daquela chatice toda! — Seus gritos de liberdade realmente fariam qualquer um pensar que ele estivesse em algum calabouço por décadas e não na casa de seus pais.

— Já que não tem ninguém pra me encher o saco e eu não tenho mais nada com o que me preocupar… — Falava sozinho como se estivesse surtando.

Puxou seu celular e se perdeu em joguinhos. Uma total perda de tempo acompanhada de luzes brilhantes, sons eletrônicos e dopamina.

O tempo se passou, o Sol se pôs, e só o brilho do celular iluminava o quarto. Até que…

Rooonc…

Seu estômago roncou ferozmente e seu celular morreu junto. Uma tragédia dupla.

Ren se levantou da cama. Seus pés caminharam cambaleando até a cozinha.

No fogão ele colocou uma panela de água para ferver. Do armário ele tirou sua salvação: um copo bem saudável de cup noodles. E finalmente esperou.

Enquanto esperava o silêncio reinou por toda a casa, um silêncio bem desconfortável. Silêncio de liberdade. Mas ele não sabia o que fazer com toda essa liberdade…

O cup noodles ficou pronto após alguns minutos de espera. O cheiro artificial de tempero industrial subiu. Se espalhou pela cozinha, invadiu o quarto. E chegou até mesmo à criatura escondida embaixo da cama.

Aquele cheiro delicioso de comida altamente processada foi uma verdadeira tentação e ela quase arriscou seu plano deixando seu esconderijo por um miojo.

Alimentado, distraído, confortável — Pelo menos o suficiente — Ren decidiu finalmente dormir. Embora o horário de dormir já tenha passado há muito tempo.

Deitado em sua cama ele mais parecia uma criança tranquila. Sua respiração lenta e seu corpo pesado revelavam o seu estado de sono: profundo. Tranquilo. Silencioso. Vulnerável.

Mas ele não estava só…

Vendo o garoto dormir vulnerável. A figura misteriosa decidiu começar.

Com um leve flutuar de tecidos e sombras ela deixou seu esconderijo. Pairou sobre Ren observando seu sono.

— Perfeito. Vamos começar… — Ela murmurou. — Hora do terror!

Ela estendeu sua mão sobre o alvo adormecido e começou a influenciar seus sonhos com o auxílio de seus estranhos poderes.

Era como controlar os canais de uma TV.

Não demorou muito.

O corpo de Ren começou a se contorcer. Primeiro só uma mexida no pé. Em seguida era a perna toda. E foi piorando… A cabeça começava a se torcer, o tronco começou a virar…

Era como se ele tentasse fugir, mas sem sucesso.

Os pesadelos começaram a tomar forma

Momentos pesados se passaram nos sonhos de Ren. Imagens estranhas, situações absurdas. Ele estava ficando profundamente perturbado.

Conforme o caos aumentava na mente do pobre rapaz, mais a criatura perversa se divertia. Um brilho vermelho acendeu sob o lençol flutuante.

Ren arfava. Sua expressão era de medo e confusão. Em seus sonhos ele corria de algo. Algo irracional, mas amedrontador. Algo que causava pânico real.

E finalmente — BAM!

Ele acordou. Seus olhos abriram desesperado e seu corpo quis pular. Mas ele não conseguiu. Paralisou pelo medo daquilo que viu em sua frente.

Uma criatura assombrosa emanando aura sombria e olhos vermelhos brilhantes flutuava acima dele.

A criatura estava ali. Bem na sua frente. Há meros 10 cm de seu rosto.

De repente —poof —. Seus olhos piscaram e a criatura sumiu.

Ren nem teve tempo de respirar antes dela aparecer de novo. Dessa vez, no canto mais escuro do quarto. Envolta em sombras. Um vulto parado o observando.

Mesmo de longe, ainda era assustador o suficiente.

Seus olhos piscaram e a criatura sumiu de novo.

Nesse momento, ele nem conseguia pensar direito. A confusão entre sonho e realidade nem deixava ele organizar seus pensamentos, e quando tentou…

A criatura surgiu outra vez.

Ela flutuava há alguns palmos acima de seu peito. Seus olhos ainda brilhantes como faróis do inferno, sua presença ainda impondo ameaça e medo.

Junto à sua presença veio o caos.

As portas dos armários, guarda-roupa e as janelas começaram a bater violentamente.

O vento soprava frio como um tufão.

Como uma tempestade forte antes de um furacão.

Barulhos altos, secos, violentos. Um pandemônio de madeira e vidro.

E de repente…

Tudo cessou.

O corpo de Ren finalmente se moveu. Sua primeira reação foi um salto e um berro.

— Waaahh!!

O suor em sua testa escorreu e pingou em seu colo.

— Ufa…

“… Paralisia do sono.” — Sua explicação mais óbvia foi uma ótima desculpa para acalmar seu medo e não assumir que se borrou.

Fingindo que nada aconteceu, ele se deitou e dormiu novamente.

Ren se acordou. Outro dia se iniciou.

O sol atravessava a janela sem pedir licença, acordando Ren como um tapa na cara.

Grogue, ele piscou e bocejou antes de focar no calendário na parede.

Domingo, mais um dia para ele se preparar antes de iniciar sua vida escolar.

— Domingo… — Murmurou, com um fiapo de voz, processando a informação.

— … Só um sonho… — Refletiu baixo. — … É estranho, eu nunca tinha tido uma paralisia do sono antes.

— … Até que foi uma experiência interessante…

Não sei dizer se esse era seu lado nerd ou um lado masoquista mal escondido.

Por fim, parou de pensar no assunto.

Se levantou. Tomou banho.

Foi visto nu novamente (não que ele saiba disso).

Comeu um pão simples no café da manhã.

E, finalmente, abriu a geladeira. Seus olhos escanearam tudo analisando o que ele precisaria e o que faltava. Parecia mais que estava estocando comida para o apocalipse.

— Essa semana vai ser corrida. Tenho que garantir que não vou morrer de fome até sexta, senão eu me fodo.

Apesar do jeito relaxado, Ren é bem responsável. É o que a experiência de ser o filho mais velho lhe proporcionou.

Fechou a porta da geladeira.

Abriu de novo.

Fechou de novo.

Abriu mais uma vez.

— Ué…? Cadê o pudim?

Olhou os lados, a parte de cima, a de baixo, a gaveta. Revirou a geladeira por completo, mas não viu nem a sombra do pudim

— Meu pudim… — O tom tristonho como se tivesse sofrido sua pior perda.

— Eu tô ficando louco…

— Estou saindo. — Anunciou como se alguém fosse ouvir. Costume velho por morar com outras pessoas.

Mas bem… alguém ouviu.

Ele girou a chave e trancou a porta.

Assim que a porta fechou, aquela criatura saiu de seu esconderijo mais uma vez.

Seu rosto por baixo do pano ainda estava bem vermelho tentando lidar com a vergonha por ter visto de tudo.

“Por que esse idiota fica andando pelado por ai?”

Ela flutuava pela casa julgando a decoração.

— Bom, mais uns dois sustos e ele vai sair correndo, então vou aproveitar um pouquinho a geladeira. — A fala dela realmente eliminava toda aura demoníaca que ela emanava.

Flutuou até a cozinha e começou a mexer em tudo.

Abriu a geladeira.

Revirou os armários.

Fez uma bagunça de embalagem e farelo.

Do outro lado de fora, Ren caminhou até a esquina tranquilamente — isso até dar as clássicas batidas nos bolsos.

— Merda! A carteira!

Ele virou imediatamente e subiu correndo.

Os passos evitando as madeiras que rangia.

Ele tinha memorizado fácil quais tábuas faziam barulho e quais não.

Habilidade de quem morou em casa velha com muita gente.

Dentro da casa a criatura apenas ouviu o som da chave girando.

Pânico.

Ela tentou esconder tudo. Fechar a geladeira. Os armários. Juntar as embalagens. Jogar tudo no lixo. Empurrar os farelos pra baixo do tapete. Tentou até usar sua telecinese em tudo ao mesmo tempo. Parecia um polvo com ansiedade.

Juntou os pacotes que ainda não tinha comido e tentou fugir.

Mas…

A barra do lençol ficou presa na geladeira.

A porta abriu.

Ren entrou.

E a criatura se espatifou no chão.

A comida esparramou toda no chão.

O que Ren viu foi:

Um lençol ambulante, com olhos esbugalhados, caído no chão cercado por meia cozinha roubada.

Silêncio…

— Que porra…?!

— Fudeu…

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