Cherreads

Chapter 19 - Honra Ferida

Drustan Hester

O sol pairava alto no céu, derramando seu calor inclemente sobre o campo de treinamento. O suor já escorria pela lateral do meu rosto antes mesmo da primeira ordem ser dada. Mas aquilo era ideal.

O ambiente duro forja guerreiros verdadeiros. Era o que meu pai sempre dizia. E eu queria acreditar nisso. Mesmo que tudo dentro de mim gritasse que ainda era cedo demais para estar ali.

Estávamos dispostos em semicírculo, todos atentos ao homem que caminhava ao centro do campo. Gareth Valtor. Um nome temido entre veteranos e venerado por novatos. E com razão. A presença dele era... esmagadora. Ele nem precisava falar.

As cicatrizes espalhadas pelo seu corpo diziam tudo. Cada passo parecia ecoar o peso de mil combates vencidos. Até mesmo seu olhar frio e analítico parecia capaz de desnudar nossas intenções antes que fossem colocadas em prática.

"Um aluno gostaria de se candidatar para fazer uma demonstração de combate?"

A pergunta soou firme, clara. Mas o silêncio que se seguiu foi quase sufocante. Ninguém ousava dar um passo à frente. Ninguém... exceto eu.

"Eu!" Minha voz saiu mais alta do que imaginei. Dei um passo adiante, sentindo os olhares se voltarem para mim como lâminas. Mantive a postura firme e bati o punho contra o peito. "Drustan Hester. Segundo filho da Casa Hester. Gostaria de mostrar minha força."

Vi um leve sorriso surgir nos lábios do professor. Um misto de aprovação e curiosidade.

"Muito bem, Drustan. Vamos começar."

Caminhei para o centro do campo. Meu coração acelerava, o calor castigava minha pele, e meus punhos cerraram-se com firmeza. Gareth permanecia sereno, relaxado, como se aquele duelo fosse apenas parte da rotina.

"Comece quando quiser."

Tão simples... Mas havia uma provocação velada em suas palavras. Como se dissesse: "Prove que não é só mais um."

Avancei com um soco direto, mirando o centro do peito. Ele desviou com facilidade, o corpo inclinando-se num movimento mínimo. Segui com uma sequência de ganchos, diretos, cotoveladas. Ataques treinados, precisos, moldados por anos de prática. Mas ele dançava entre eles. Como se já soubesse o que eu faria antes mesmo que eu pensasse.

A frustração crescia. Aumentei o ritmo, tentando forçar uma brecha.

Girei e desferi um chute lateral forte, veloz. Um golpe que já derrubara outros alunos. Ele bloqueou com o antebraço. Nem se moveu. O impacto ecoou, mas ele permaneceu firme.

"Bom impulso, mas previsível" murmurou.

Previsível? Mordi a parte interna da bochecha. Senti meu sangue ferver.

Tentei outro chute, mais baixo, mais rápido. Um momento de hesitação me atravessou, um pensamento rápido: será que ele vai ler esse também? Mas antes que eu completasse o movimento, ele avançou.

Um golpe preciso acertou meu peito. O ar me escapou. Cambaleei. Não caí. Mas ele não esperou. Torceu meu braço e me jogou ao chão com uma destreza brutal. Minha visão tremeu. O chão era áspero, o céu, indiferente.

Fiquei ali por um segundo, o gosto da poeira e da derrota na boca. O silêncio ao redor era desconfortável. Não pela dor física mas pela humilhação. Meus colegas me observavam. Alguns com pena, outros com alívio por não estarem no meu lugar.

Vi sua mão estendida. Agarrei-a.

"Você tem potencial, mas depende demais da força bruta. Trabalhe mais sua estratégia."

Assenti, arfando. "Entendido, professor."

Por fora, estava calmo. Por dentro, em chamas. Uma mistura amarga de frustração, vergonha e... vontade. De melhorar. De ser melhor.

Outros alunos se apresentaram. Gareth venceu todos com a mesma facilidade. A lição estava clara: técnica supera força. E eu fui o exemplo perfeito.

No fim da aula, caminhei até o dormitório em silêncio, os passos pesados. Passei o resto da tarde revendo cada detalhe do combate. Cada movimento mal executado. Cada falha grotesca. Era como se tudo estivesse gravado em minha mente, passando em repetição contínua.

Eu não conseguia esquecer a forma como ele me derrubou, nem a leveza com que leu meus ataques. Aquilo me corroía.

Se meu irmão visse isso, diria que sou indigno do nome Hester.

Meu pai, nem ouso imaginar o olhar de decepção que lançaria.

Naquela noite, no refeitório, sentei-me longe dos demais. O prato diante de mim continuava intocado. A comida tinha gosto de poeira. O orgulho ferido tornava difícil engolir qualquer coisa.

Então Leonard e Renjiro surgiram. Sentaram-se à minha frente sem cerimônia, como se soubessem exatamente o que eu precisava, mesmo sem que eu dissesse.

"Luta difícil hoje, hein?" disse Leonard. Sua voz não tinha zombaria. Era compreensiva.

Suspirei. "Achei que estava pronto. Mas ele me derrotou... com tanta naturalidade. Foi humilhante."

"Se serve de consolo" Renjiro disse, com um sorriso cansado. "Ele derrotou todos nós. E não pareceu fazer esforço."

Balancei a cabeça.

"Eu sei, mas... não é só sobre vencer ou perder. Minha família espera muito de mim. Eu carrego um nome. Não posso me permitir falhar assim."

Um silêncio breve pairou, até que Leonard falou novamente.

"Se perder hoje te incomoda tanto, use isso como combustível. O professor Gareth tem anos de combate real. Nós estamos apenas começando. Mas se treinarmos duro... um dia, poderemos enfrentá-lo de igual para igual."

Fiquei encarando o prato. As palavras dele carregavam um peso estranho. Quase como se falasse com mais experiência do que deveria ter. Como se soubesse o que é falhar e levantar.

Soltei um suspiro e, pela primeira vez naquela noite, esbocei um sorriso.

"Você tem razão. Não posso me deixar abater. Preciso treinar mais."

Renjiro deu um tapa leve no meu ombro.

"Isso aí. Mas antes, coma. Você tá parecendo um fantasma."

Sorri. E ri, ainda que de leve.

Continuamos o jantar entre conversas sobre treinos e planos. A derrota ainda queimava em mim, mas não me consumia mais. Ela havia deixado uma cicatriz e também uma chama.

E naquela noite, sob a luz fria do refeitório, prometi a mim mesmo: a próxima vez que enfrentá-lo... ele cairia.

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